24 de janeiro de 2015
A Tradição da Grande Mãe
Origem
Durante os últimos três milênios as principais religiões do mundo enfatizaram o Princípio Divino Masculino. Apesar das diferenças conceituais e das práticas religiosas entre judaísmo, islamismo, hinduismo e cristianismo, a Divindade Suprema e personificada por arquétipos masculinos com mitos e preceitos patriarcais. Mesmo que existam figuras femininas que sejam honradas e celebradas elas não são consideradas forças primordiais e criadoras, sendo relegadas a papéis e atribuições secundárias.
Apesar de, no momento, essas religiões predominarem no cenário mundial, a origem delas é relativamente recente, enquanto que a veneração a uma Criadora chamada genericamente de “A Grande Mãe”, remonta ao início do período paleolítica, há trinta mil anos atrás. Provas irrefutáveis deste antiquíssimo culto são as inúmeras estatuetas em pedras, osso ou argila representando figuras femininas ou partes do corpo da mulher relacionadas com a função geradora ou nutridora, encontradas em todo o mundo.
Consideradas pelos historiadores homens do século passado com simples “Vênus” paleo ou neolíticas,atualmente esses objetos de culto são vistos como representações da deusa mãe, conforme demonstram os estudos, livros e pesquisas de antropólogas, historiadoras, sociólogas e arqueólogas.
Significado
A Grande Mãe representa a totalidade da criação e a unidade da vida, pois ela existe e reside em todos os seres e em todo o Universo. Seus múltiplos aspectos e manifestações recriam o eterno ciclo de nascimento, crescimento, florescimento, decadência, morte e renascimento, na perpétua dança espiral das energias da vida.
A Deusa Mãe foi a suprema divindade do planeta durante trinta milênios, reverenciada pelo seu poder de gerar, criar, nutrir e sustentar todos os seres. Os seus atributos de fertilidade, abundância e nutrição são vistos nas estatuetas com características zoomórficas ou antropomórficas, como deusas pássaros ou senhora dos animais ou simplesmente mulheres grávidas, dando à luz ou amamentando.
Reverenciada e conhecida sob inúmeras manifestações e nomes, de acordo com a cultura e a época, a Deusa era a própria Mãe Terra, a energia da vida do planeta. Por ser imanente e permanente em toda a natureza, a Grande Mãe era venerada nas fontes, nos rios, lagos e mares, nas grutas, florestas e montanhas,nos fenômenos da natureza, na riqueza e beleza da Terra. Os templos que lhe foram dedicados reproduziam formas femininas ou concentravam e direcionavam as energias cósmicas e telúricas por meio dos círculos de pedras ou nas câmaras subterrâneas.
Tentativa de destruir o culto à Deusa
O período pacífico das civilizações neolíticas centradas nos cultos da deusa entrou em declínio cinco mil anos atrás com advento da idade de bronze e de ferro. Entre 4000-2000 a.c, invasões sucessivas de tribos indo-européias vindas da Ásia Central conquistaram e dominaram a Europa e a Ásia Menor.
Estes povos nômades com instintos belicosos e usando o poder letal das espadas trouxeram consigo um panteão de deuses guerreiros, donos do céu, senhores dos raios e relâmpagos. Conhecidos como kurgos, arianos, hititas, semitas e dóricos, provocaram a destruição das culturas agrícolas matrifocais da Antiga Europa. A terra foi saqueada, os templos destruídos, as mulheres escravizadas e inferiorizadas. Sobre os escombros neolíticos as tribos patriarcais criaram as suas civilizações baseadas em modelos de dominação e autoritarismo.
Androcentrismo
Muda-se o sexo do criador, a Mãe tornou-se Pai, os mitos são deturpados, transformando a Deusa criadora em simples consorte, filha ou amante de deuses todo-poderosos ou simplesmente aniquilando-a ou escamoteando-a em símbolos ou manifestações maléficas. Na psicologia da humanidade ocorre uma dicotomia entre os valores masculinos ( deuses celestes superiores) e femininos ( deusas telúricas inferiores). A luz passou a ser sinônimo do bem – a escuridão, do mal, o homem, por ser feito à semelhança do Deus investido de poder e direitos, a mulher, por lhe ser inferior, devendo ser submissa, e servindo apenas para reprodução ou prazer.
A derrota definitiva do culto da deusa ocorreu com a instauração do monoteísmo judaico-cristão, que proclamou um só criador-Pai, e considerou a mulher a origem do pecado e de todos os males.
O cristianismo suprimiu todos os símbolos do poder divino da Deusa considerando-os maléficos ou pecaminosos. Mesmo assim a iconografia e os atributos da Deusa foram absorvidos e adaptados no culto de Maria. Suas inúmeras igrejas foram erguidas nos locais sagrados das deusas greco-romanas, egípcias e celtas, seus atributos e estátuas sendo adaptações cristianizadas dos antigos nomes e imagens de Cibele, Innana, Deméter e Isis.
Depois da extinção definitiva dos cultos da Deusa nos países cristianizados, fragmentos das antigas tradições, celebrações, conhecimentos e rituais, sobreviveram disfarçados nas crenças populares, nas tradições nativas e nos contos de fadas.
A volta do culto à Deusa
Atualmente observa-se no mundo todo o ressurgimento dos valores e da busca do Sagrado Feminino, simbolizando a necessidade de uma cura profunda da psique individual e coletiva, levando a uma expansão da consciência para assegurar a renovação planetária no próximo milênio. A volta da Deusa não significa o retorno às antigas religiões; o que ela prenuncia é uma nova forma de validação dos valores femininos, uma nova cosmologia centrada na Terra, uma nova ética enraizada na conscientização e reconhecimento das tradições e mitos do passado, mas para nos reconectar com a energia amorosa e compassiva da Grande Mãe precisamos passar por mudanças profundas na nossa maneira de pensar e agir, abrindo mão do jogo de poder, competição, retaliação, vitimização e opressão (características do patriarcado) e desenvolver a tolerância, a solidariedade, a compreensão e apoio mútuo, ultrapassando as diferenças e as cisões dualistas, em busca da pacificação interna e externa, em um empenho global para honrar e preservar Gaia, a nossa Grande Mãe.
Trecho do livro O anuário da Grande Mãe de Mirella Faur
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